Esboço de uma teoria da fama (Parte II)

Porém não deves separar
Teu sucesso de teu fracasso.
Pasternak

Jamais escrevi sobre Pasternak. Sei ainda menos sobre uma teoria da poesia, das imagens e, o que ainda aprendo, sobre composição poética, é porque li Délcio Pignatari. Porém, algo chamou minha atenção quando escutei, pela primeira vez, os versos acima: uma sensação de que passado e futuro encontram-se, sempre, no presente que é interminável ou, se preferirem, infinito.

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Assim, se passado e futuro estão juntos, tal como o fracasso e sucesso são inseparáveis, é possível supor que o trajeto de todas as vidas começa no futuro, afinal, tanto o sucesso quanto o fracasso se encontram no presente para, em seguida, separarem-se. Um torna-se pretérito, o outro é futuro. Começa aí, no hiato de ambos, o presente, o momento fugaz, que desvela aquilo que, possivelmente, foi/será belo.

Digamos, então, que o tempo do fracasso consiste, de certo modo, numa vivência exterior a nosso corpo, enquanto que o tempo da fama é, na verdade, interior, interior esse que surge senão disto: do desejo de antecipar um acontecimento.

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Em suma, o acontecimento contém todos os tempos, afinal, ao assumi-lo, Pasternak, em tom quase pessoal, dizia a seus leitores que:

Não deves renunciar a um mín-
Imo pedaço do teu ser,

Manter-se inteiro ou, talvez, buscar uma totalidade. Um ato que prenuncia, no mínimo, a ética da poesia que, de certo modo, pressupõe explicar o todo ao mesmo tempo que se elabora a partir de um nada. Não o vazio, mas o desvelamento daquilo que se anuncia sem necessariamente ter nome. Por isso, então, para Pasternak basta

Só estar vivo e permanecer
Vivo, e viver até o fim.

Gostaria, para concluir, de mencionando que, em 1958, Pasternak se viu obrigado a recusar o Nobel de literatura que teria ganho com seu romance Doutor Zhivago. Esse gesto, ainda que parcialmente determinado pela atmosfera stalinista na qual, segundo Jakobson, referindo-se aos poetas da vanguarda russo, provocou uma “sufocação da história”, também teria que ver com a recusa da dádiva porque o poeta, entendendo que o fim da arte é uma “pura doação”, além de recusar os louros e as loas, evita estar na boca de todo o mundo. Enfim, recusa a fama sem  necessariamente abrir mão de uma glória, que estaria implícita no gesto da recusa.

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